O martírio de Policarpo
O dia estava quente. As autoridades
de Esmirna procuravam Policarpo, o respeitado bispo da cidade. Elas já haviam
levado outros cristãos à morte na arena. Agora, uma multidão exigia a morte do
líder.
Policarpo
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Quando os soldados alcançaram a
primeira fazenda, torturaram um menino escravo para que revelasse o paradeiro
de Policarpo. Assim, apressaram-se, bem armados, para prender o bispo. Embora
tivesse tempo para escapar, Policarpo se recusou a agir assim. "Que a
vontade de Deus seja feita", decidiu. Em vez de fugir, deu as boas-vindas
aos seus captores, ofereceu-lhes comida e pediu permissão para passar um
momento sozinho em oração. Policarpo orou durante duas horas.
Alguns dos que ali estavam com a
finalidade de prendê-lo pareciam arrependidos por prender um homem tão
simpático. No caminho de volta a Esmirna, o chefe da guarda tentou argumentar
com Policarpo: "Que problema há em dizer 'César é senhor' e acender
incenso?".
Policarpo calmamente disse que não
faria isso.
As autoridades romanas desenvolveram
a idéia de que o espírito (ou o "gênio") do imperador (César) era
divino. A maioria dos romanos, por causa de seu panteão, não tinha problema em
prestar culto ao imperador, pois entendia a situação como questão de lealdade
nacional. Porém, os cristãos sabiam que isso era idolatria.
Pelo fato de os cristãos se recusarem
a adorar o imperador ou os outros deuses de Roma e adorar Cristo de maneira
silenciosa e secreta em seus lares, a maioria das pessoas achava que eles não
tinham fé. "Fora com os ateus!", gritavam os habitantes de Esmirna,
enquanto buscavam os cristãos para prendê-los. Como sabiam apenas que os
cristãos não participavam dos muitos festivais pagaos e não ofereciam os
sacrifícios comuns, a multidão atacava o grupo considerado ímpio e sem pátria.
Então, Policarpo entrou em uma arena
cheia de pessoas enfurecidas. O procónsul romano parecia respeitar a idade do
bispo. Como Pilatos, queria evitar uma cena horrível, se fosse possível. Se
Policarpo apenas oferecesse um sacrifício, todos poderiam ir para casa.
— Respeito sua
idade, velho homem — implorou o procónsul.
— Jure pela felicidade de César. Mude de idéia. Diga "Fora com os ateus!".
— Jure pela felicidade de César. Mude de idéia. Diga "Fora com os ateus!".
O procónsul obviamente queria que
Policarpo salvasse a vida ao separar-se daqueles "ateus", os
cristãos. Ele, porém, simplesmente olhou para a multidão zombadora, levantou a
mão na direção deles e disse:
— Fora
com os ateus!
O procónsul tentou outra vez:
— Faça o juramento e eu o libertarei. Amaldiçoe Cristo!
O bispo se manteve firme.
— Por 86 anos servi a Cristo, e ele nunca me fez
qualquer mal. Como poderia blasfemar contra meu Rei, que me salvou?
A tradição diz que Policarpo estudou
com o apóstolo João. Se isso foi realmente verdade, ele era, provavelmente, o
último elo vivo com a igreja apostólica. Cerca de quarenta anos antes, quando
Policarpo começou seu ministério como bispo, Inácio, um dos pais da igreja,
escreveu a ele uma carta especial. Policarpo escreveu, de próprio punho, uma
carta aos filipenses. Embora não seja especialmente brilhante e original, essa
carta fala sobre as verdades que ele aprendeu com seus mestres. Policarpo não
fazia exegese de textos do Antigo Testamento, como os estudiosos cristãos
posteriores, mas citava os apóstolos e os outros líderes da igreja para exortar
os filipenses.
Cerca de um ano antes do martírio,
Policarpo foi a Roma para acertar algumas diferenças quanto à data da Páscoa
com o bispo daquela cidade. Uma história diz que, nessa cidade, ele debateu com
o herege Mar-cião, a quem chamava "o primogênito de Satanás". Diz-se
que diversos seguidores de Marcião se converteram com sua exposição dos
ensinamentos apostólicos.
Este era o papel de Policarpo: ser
uma testemunha fiel. Líderes posteriores apresentariam saídas criativas diante
de situações em constante mutação, mas a era de Policarpo requeria apenas
fidelidade. Ε ele foi fiel até a morte.
Na arena, a argumentação continuava
entre o bispo e o procónsul. Em certo momento, Policarpo admoestou seu
inquisidor: "Se você [...] finge que não sabe quem sou, ouça bem: sou um
cristão. Se você quer aprender sobre o cristianismo, separe um dia e me conceda
uma audiência". O procónsul ameaçou jogá-lo às feras.
Policarpo disse: "Pois chame-as.
Se isto fosse uma mudança do mal para o bem, eu a consideraria, mas não posso
admitir uma mudança do melhor para o pior".
Ameaçado pelo fogo, Policarpo reagiu:
"Seu fogo poderá queimar por uma hora, mas depois se extinguirá; mas o
fogo do julgamento por vir é eterno".
Por fim, anunciou-se que Policarpo
não se retrataria. O povo de Es-mirna gritou: "Este é o mestre da Ásia, o
pai dos cristãos, o destruidor de nossos deuses, que ensina o povo a não
sacrificar e a não adorar!".
O procónsul ordenou que o bispo fosse
queimado.
Policarpo foi amarrado a uma estaca, e o fogo foi
ateado. Contudo, de acordo com testemunhas oculares, seu corpo não se consumia.
Conforme o relato dessas testemunhas, ele "estava lá no meio, não como
carne em chamas, mas como um pão sendo assado ou como o ouro e a prata sendo
refinados em uma fornalha. Sentimos o suave aroma, semelhante ao de incenso, ou
ao de outra especiaria preciosa".
Quando um dos executores o perfurou com uma lança, o
sangue que jorrou apagou o fogo.
Este relato foi repassado às congregações por todo o
império. A igreja valorizou esses relatos e começou a celebrar a vida e a morte
de seus mártires, chegando a coletar seus ossos e outras relíquias. Em 23 de
fevereiro, todos os anos, comemoravam o "dia do nascimento" de Policarpo
no Reino celestial.
Nos 150 anos seguintes, à medida que
centenas de outros mártires caminharam fielmente para a morte, muitos foram
fortalecidos pelos relatos do testemunho fiel do bispo de Esmirna.