segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

A Saga da Teoria Documental

A SAGA DA TEORIA DOCUMENTAL

Como na ultima postagem prometi considerar algumas questões da escola historicista, darei continuidade aqui ao assunto, porém acredito ser necessário fazer um breve relato dessa escola. Farei observações em postagens posteriores no momento desejo apenas que vocês conheçam ou relembrem as bases da teoria documental .
Existe um consenso básico a respeito do desenvolvimento do método histórico-critico no meio acadêmico, apresento em linhas gerais logo abaixo[1].
Dúvidas sobre a concepção tradicional quanto à origem do Pentateuco foram manifestadas já no século XII pelo estudioso judeu Ibn Esra, no tempo da Reforma por Karlstadt, mais tarde no século XVII por T. Hobbes, B. Espinoza, R. Simon e outros.
Henning Bernhard Witter, pastor de Hildesheim, foi o primeiro a adotar a alternância entre o nome de Deus Elohim ("Deus") e Yahweh, que ocasionalmente já se percebera na Antiguidade, como característica distintiva de tradições em Gn 1-2. Foi ele quem descobriu em Gn 1 uma fonte própria. Sua obra, publicada no ano de 1711,foi ignorada por dois séculos.
Repercussão teve por primeiro o médico particular de Luís XV, Jean Astruc, que dividiu em 1753 todo o Gênesis em dois (ou três) fios narrativos paralelos, com base nos nomes de Deus. Com isto se assentou o fundamento da crítica literária, possibilitando estudos cada vez mais aprofundados nos um e meio a dois séculos seguintes.
a) A hipótese(mais antiga)das fontes (ou documentos):Algumas décadas mais tarde, Johann Gottfried Eichhom, cuja "Introdução ao Antigo Testamento" (1780 e anos seguintes) praticamente fundou- depois de J.D. Michaelis, considerado precursor a isagogia e que, ao mesmo tempo, adquiriu importância com a introdução do conceito de mito, retomou a divisão das fontes e a impôs, comprovando a diversidade em estilo e conteúdo das fontes principais. Enquanto que Witter e Astruc compreendiam as fontes por eles detectadas como tradições utilizadas por Moisés, só no decorrer de seu labor científico Eichhom renunciou à hipótese de que Moisés seria o redator do Pentateuco.
No final do século XVIII, Karl David llgen (Die Urkunden des jerusalemischen Tempelarchivs in ihrer Urgestalt, 1798) descobriu que ao lado das duas fontes escritas já conhecidas havia uma terceira, que usa o mesmo nome de Deus da primeira fonte. Deste modo se conhecem agora três documentos ou fontes escritas: duas falam de Elohim e uma, de Yahweh. Só muito mais tarde se percebeu a grande importância de distinguir duas tradições nos textos em que Deus é designado Elohim.
b) A hipótese dos fragmentos: O enfoque progressivamente diferenciado e a análise de livros além do Gênesis ajudaram a descobrir documentos cada vez mais recentes: coleções mais ou menos autônomas e coesas em si mesmas, originárias de épocas diferentes e que não podem ser enquadradas em fontes contínuas, pelo menos não de forma inequívoca. Assim se pressupôs por volta de 1800 que em vez dos documentos havia também partes distintas, muito diferenciadas, independentes entre si e de extensão variada, ou seja, "fragmentos", que só mais tarde teriam sido juntadas para formarem uma história contínua (A. Geddes, J. S.Vater, também W. M. L. de Wette)[2]
Vale ressaltar que a década de 1880 foi fundamental no desenvolvimento da abordagem histórico-crítica do Pentateuco, pois ela testemunhou a publicação da monumental obra Prolegomena zur Geschichte Israels de J. H. Wellhausen (publicada no ano de 1883 e, em inglês, em 1885). O trabalho de Wellhausen teve uma sólida influência, pois, pela primeira vez, conseguiu-se associar a história da composição do Pentateuco com a história da evolução da religião israelita, de um modo convincente à maioria dos principais estudiosos da Europa continental, Inglaterra e América, enquanto marginalizava academicamente seus críticos (principalmente Hengstenberg e Delitzsch).
A expressão clássica da hipótese documentária pode ser associada ao ponto de vista de Wellhausen, embora atualmente poucos eruditos se considerem wellhausianos. No entanto, uma vez que é à concepção desse autor que cada se refere ao propor sua própria opinião, seria útil, portanto, apresentá-la. Wellhausen defendeu, em continuidade aos estudos precedentes, que o Pentateuco foi composto a partir de quatro fontes básicas. Essas fontes poderiam ser diferenciadas umas da outras com base nos seguintes critérios:
1. O uso de nomes divinos diferentes, particularmente Yahweh (J) e Elohim (E).
2. A existência de duplicidades, ou seja, a mesma história básica contada mais de uma vez, embora podendo envolver diferentes personagens. As duplicidades podem ser narrativas repetidas (p. ex., as histórias da esposa-irmã, Gn 12.10-20; 20; 26) ou relatos distintos servindo ao mesmo propósito no contexto narrativo (p. ex,, os sonhos de José com estrelas e feixes, Gn 37.5-11).
3. Diferenças de estilo, inclusive o uso de dois nomes para designar a mesma pessoa, tribo ou lugar (Reuel/Jetro; Horebe/Sinai; Jacó/Israel; ismaelitas/midianitas).
4. Teologias diferences. Por exemplo, J geralmente é caracterizado como retratando Deus antropomorficamente; D apresenta uma forma de teologia da retribuição; P está repleto de preocupações sacerdotais e tende a enfatizar a transcendência de Deus. Os diferentes pontos de vista nos supostos documentos são frequentemente justificados para mostrar a evolução da teologia de Israel: do animismo para o henoteísmo, chegando finalmente ao monoteísmo. Além disso, os críticos tradicionais percebem uma progressão cronológica entre as fontes em termos da forma de adoração, por exemplo, a questão da centralização da adoração. De acordo com critica tradicional, J ignora a centralização (Ex 20.24-26), D a exige (Dt 12.1-26) e P a admite (Êx 25—40, Números e Lv. 1-9).
Consequentemente Wellhausen diferenciou as fontes com base nos critérios acima, as quais são:
J. No tempo de Wellhausen, o documento J foi universalmente reconhecido como a fonte mais antiga. No entanto, não muitos anos antes de seu estudo, o documento E1 (atualmente designado por P) era considerado a primeira fonte. A característica que resultou em seu nome (javista ou jeovista é o uso do nome pactuai para Deus. A maioria dos críticos atribui J ao início da monarquia, nos sécs. X ou IX a.C., e, por causa de suas referências positivas a Judá, em textos como Gênesis 49.8-12, acredita-se que o documento tenha sido escrito naquela região. O estilo de J é frequentemente caracterizado como “claro e direto, mas sua simplicidade é aquela da arte consumada”. J contrasta nitidamente com P em seu estilo e em sua teologia. Enquanto P concentra-se em Deus, J atém-se ao homem e a terra. J usa antropomorfismos para descrever Deus: por exemplo, Deus molda o homem a partir do barro e passeia com Adão no Éden. J começa em Gênesis 2 (na, assim denominada, segunda narrativa da criação) e continua até de Números, embora possa incluir alguns versículos em Deuteronômio. Para uma lista completa das passagens referentes a J, consulte. Harold Bloom apresentou uma provocante análise de J de uma forma dizendo que o redator de J era uma mulher, talvez uma poeta de Davi, é pura especulação.
E. Enquanto J é associado ao nome de Deus, Yahweh, E é identificado pelo uso do nome mais genérico Elohim. Essa fonte é atribuída a mais de cem anos depois de J (pois infere-se do documento a divisão do reino), sendo redigida em algum lugar do norte, essa última opinião é deduzida do que parece ser uma ênfase nas questões e personalidades ligadas ao reino do norte, como, por exemplo, José. Na teologia, E enfoca mais as preocupações “religiosas e moralistas” E é mais fragmentário do que J ou P (e novo ponto de vista tem apontado cada vez mais de E para J) O documento se inicia com Gênesis 15 e continua até Números 32, embora algumas passagens em Deuteronômio também sejam atribuídas a E.
D. O terceiro fio narrativo criado pela crítica clássica das fontes é D (Deuteronômico), encontrado predominantemente na Torá no livro do qual deriva seu nome. O núcleo de Deuteronômio é muitas vezes identificado como o documento que foi encontrado no templo durante o remado de Josias (2Rs 22— 23). Esse evento comumente é chamo de fraude piedosa pois na realidade o livro foi escondido propositalmente no templo para ser achado “de maneira fortuita” e assim ganhar um ar de sacralidade, porem há grandes debates sobre a forma do documento encontrado naquele tempo, mas, de qualquer modo, quase todos os críticos datam D do tempo de Josias (final do séc. VII a.C. ). Embora D raramente retome os primeiros quatro livros da Torá, sua influência é sentida muito fortemente através do cânon.
P. Dos quatro fios do Pentateuco, P é o que mais se destaca e sua abordagem abrange principalmente a áreas lirtúrgica essencialmente áreas de interesse sacerdotal daí seu nome, fonte sacerdotal [sacerdote em alemão: “priester”, em inglês: “priest”, daí a sigla “P”], essas áreas são, cronologia, genealogia, ritual, adoração e lei.
É também considerada a mais tardia das fontes datando dos sécs. V ou IV a. C., P é reflexo do anseio pós-exílio de restabelecimento do sacerdócio e também a preocupação daquele tempo com a obediência à lei. Essa data refere-se à coletânea do que hoje constitui P, pois se acredita que muito do material tenha vindo de um período anterior. Um argumento usado para amparar a datação tardia da fonte é o fato de que P aparenta influenciar apenas Crônicas, um livro datado não antes do séc. V (Eissfeldt). Seus trechos podem ficar lado a lado com os de outras fontes (como Gn 1.1-2.4a = P e Gn 2.4b-25 = J)
Surgiram devido as divergências teorias de fonte em múltiplas camadas como J 1 e J2 N, G, L e outras siglas novas integradas de modo criativo as quatro principais fontes narrativas da Torá.
Considera-se que os redatores foram os responsáveis pelo desenvolvimento da tradição, à medida que integraram em primeiro lugar J e E, depois D com JE e, finalmente, P com JED. O redator mais importante teria sido o último, visto que ele estabeleceu a disposição particular da forma final da Torá.[3]
Uma expressão bastante comum utilizada pelos professores universitários quando se refere ao assunto é “rejeitá-la é ser relegado ao campo da “ingenuidade e arrogância"(Childs) pois a hipótese documentária tem sido o mais forte rival do ponto de vista tradicional de que Moisés foi a fonte do Pentateuco. Em contraste com este último ponto de vista, a hipótese documentária tira o Pentateuco totalmente das mãos de Moisés, o que, para muitos, levanta indagações sobre a veracidade e a autoridade de Gênesis e do Pentateuco. Afinal, embora o Pentateuco não reivindique autoria mosaica, pelo menos descreve Moisés como aquele que recebe grandes partes do con­teúdo da revelação, particularmente a lei. Ainda que a autoridade do texto se fundamente no próprio Yahweh em vez de em Moisés, não conseguimos deixar de ter dúvidas caso se crie incerteza sobre o quadro que a Torá pinta de Moisés como aquele que recebe a lei no monte Sinai.[4]
Antes de encerrar este post gostaria de deixar uma observação do reverendo Augusto Nicodemus Lopes:
“O grande atrativo do método histórico-crítico é o fato de ser “científico”. Com isto, os seus adeptos dão a idéia de que se trata de uma exegese neutra e científica e, portanto, capaz de conseguir resultados confiáveis. Nada está mais longe da verdade, entretanto. O método histórico-crítico não é neutro ao contrário, é bastante tendencioso. “[5]
Até breve!



[1]Geralmente a literatura que tange esse assunto que é praticamente unanime quanto esse desenvolvimento independente da linha seguida exemplos são Lopes, Dillard e Longman, Schmidt (relacionados na bibliografia)além de  E.Sellin; G.Fohrer. Introdução ao Antigo Testamento. trad. Mateus Rocha - SãoPaulo: Ed. Academia Cristã Ltda, 2007; Gleason Leonard Archer ; tradução Oswaldo Ramos. Enciclopédia de temas bíblicos : respostas às principais dúvidas, dificuldades e "contradições" da Bíblia, 2. ed. - São Paulo : Editora Vida, 2001entre outros.
[2]Schmidt, Werner H. Introdução ao Antigo Testamento tradução Annemarie Hõhn I. São Leopoldo, RS : Sinodal, 1994. Pag.49-50.
[3] Dillard, Raymond B., Longman, III Tremper Introdução ao Antigo Testamento; tradução Sueli da Silva Saraiva. - São Paulo: Vida Nova, 2006, pag. 39-42. Basicamente é a mesma exposição do livro de Longman Como ler Gênesis, São Paulo: Vida Nova, 2009 pag. 47-52
[4] Longman, III Tremper, Como ler Gênesis, São Paulo: Vida Nova, 2009.
[5] Lopes, Augustus Nicodemus, O DILEMA DO MÉTODO HISTÓRICO-CRÍTICO NA INTERPRETAÇÃO BÍBLICA, FIDES REFORMATA X, Nº 1 (2005): 115-138.