A
SAGA DA TEORIA DOCUMENTAL
Como na ultima postagem prometi
considerar algumas questões da escola historicista, darei continuidade aqui ao
assunto, porém acredito ser necessário fazer um breve relato dessa escola. Farei
observações em postagens posteriores no momento desejo apenas que vocês
conheçam ou relembrem as bases da teoria documental .
Existe um
consenso básico a respeito do desenvolvimento do método histórico-critico no
meio acadêmico, apresento em linhas gerais logo abaixo[1].
Dúvidas sobre a
concepção tradicional quanto à origem do Pentateuco foram manifestadas já no
século XII pelo estudioso judeu Ibn Esra, no tempo da Reforma por Karlstadt,
mais tarde no século XVII por T. Hobbes, B. Espinoza, R. Simon e outros.
Henning
Bernhard Witter, pastor de Hildesheim, foi o primeiro a adotar a alternância
entre o nome de Deus Elohim ("Deus") e Yahweh, que ocasionalmente já
se percebera na Antiguidade, como característica distintiva de tradições em Gn
1-2. Foi ele quem descobriu em Gn 1 uma fonte própria. Sua obra, publicada no
ano de 1711,foi ignorada por dois séculos.
Repercussão
teve por primeiro o médico particular de Luís XV, Jean Astruc, que dividiu em
1753 todo o Gênesis em dois (ou três) fios narrativos paralelos, com base nos
nomes de Deus. Com isto se assentou o fundamento da crítica literária,
possibilitando estudos cada vez mais aprofundados nos um e meio a dois séculos
seguintes.
a) A hipótese(mais antiga)das fontes (ou documentos):Algumas décadas mais
tarde, Johann Gottfried Eichhom, cuja "Introdução ao Antigo Testamento"
(1780 e anos seguintes) praticamente fundou- depois de J.D. Michaelis,
considerado precursor a isagogia e que, ao mesmo tempo, adquiriu importância
com a introdução do conceito de mito, retomou a divisão das fontes e a impôs,
comprovando a diversidade em estilo e conteúdo das fontes principais. Enquanto
que Witter e Astruc compreendiam as fontes por eles detectadas como tradições
utilizadas por Moisés, só no decorrer de seu labor científico Eichhom renunciou
à hipótese de que Moisés seria o redator do Pentateuco.
No final do século XVIII, Karl David llgen (Die Urkunden des
jerusalemischen Tempelarchivs in ihrer Urgestalt, 1798) descobriu que ao lado
das duas fontes escritas já conhecidas havia uma terceira, que usa o mesmo nome
de Deus da primeira fonte. Deste modo se conhecem agora três documentos ou fontes
escritas: duas falam de Elohim e uma, de Yahweh. Só muito mais tarde se percebeu
a grande importância de distinguir duas tradições nos textos em que Deus é
designado Elohim.
b) A hipótese dos fragmentos: O enfoque progressivamente diferenciado e
a análise de livros além do Gênesis ajudaram a descobrir documentos cada vez
mais recentes: coleções mais ou menos autônomas e coesas em si mesmas, originárias
de épocas diferentes e que não podem ser enquadradas em fontes contínuas, pelo
menos não de forma inequívoca. Assim se pressupôs por volta de 1800 que em vez
dos documentos havia também partes distintas, muito diferenciadas, independentes
entre si e de extensão variada, ou seja, "fragmentos", que só mais
tarde teriam sido juntadas para formarem uma história contínua (A. Geddes, J.
S.Vater, também W. M. L. de Wette)[2]
Vale ressaltar
que a década de 1880 foi fundamental no desenvolvimento da abordagem
histórico-crítica do Pentateuco, pois ela testemunhou a publicação da
monumental obra Prolegomena zur Geschichte Israels de J. H. Wellhausen
(publicada no ano de 1883 e, em inglês, em 1885). O trabalho de Wellhausen teve
uma sólida influência, pois, pela primeira vez, conseguiu-se associar a
história da composição do Pentateuco com a história da evolução da religião
israelita, de um modo convincente à maioria dos principais estudiosos da Europa
continental, Inglaterra e América, enquanto marginalizava academicamente seus
críticos (principalmente Hengstenberg e Delitzsch).
A expressão
clássica da hipótese documentária pode ser associada ao ponto de vista de
Wellhausen, embora atualmente poucos eruditos se considerem wellhausianos. No
entanto, uma vez que é à concepção desse autor que cada se refere ao propor sua
própria opinião, seria útil, portanto, apresentá-la. Wellhausen defendeu, em
continuidade aos estudos precedentes, que o Pentateuco foi composto a partir de
quatro fontes básicas. Essas fontes poderiam ser diferenciadas umas da outras
com base nos seguintes critérios:
1. O uso de
nomes divinos diferentes, particularmente Yahweh (J) e Elohim (E).
2. A existência
de duplicidades, ou seja, a mesma história básica contada mais de uma vez,
embora podendo envolver diferentes personagens. As duplicidades podem ser
narrativas repetidas (p. ex., as histórias da esposa-irmã, Gn 12.10-20; 20; 26)
ou relatos distintos servindo ao mesmo propósito no contexto narrativo (p. ex,,
os sonhos de José com estrelas e feixes, Gn 37.5-11).
3. Diferenças
de estilo, inclusive o uso de dois nomes para designar a mesma pessoa, tribo ou
lugar (Reuel/Jetro; Horebe/Sinai; Jacó/Israel; ismaelitas/midianitas).
4. Teologias
diferences. Por exemplo, J geralmente é caracterizado como retratando Deus
antropomorficamente; D apresenta uma forma de teologia da retribuição; P está
repleto de preocupações sacerdotais e tende a enfatizar a transcendência de
Deus. Os diferentes pontos de vista nos supostos documentos são frequentemente
justificados para mostrar a evolução da teologia de Israel: do animismo para o
henoteísmo, chegando finalmente ao monoteísmo. Além disso, os críticos tradicionais
percebem uma progressão cronológica entre as fontes em termos da forma de
adoração, por exemplo, a questão da centralização da adoração. De acordo com
critica tradicional, J ignora a centralização (Ex 20.24-26), D a exige (Dt
12.1-26) e P a admite (Êx 25—40, Números e Lv. 1-9).
Consequentemente
Wellhausen diferenciou as fontes com base nos critérios acima, as quais são:
J. No tempo de Wellhausen,
o documento J foi universalmente reconhecido como a fonte mais antiga. No
entanto, não muitos anos antes de seu estudo, o documento E1 (atualmente
designado por P) era considerado a primeira fonte. A característica que
resultou em seu nome (javista ou jeovista é o uso do nome pactuai para Deus. A
maioria dos críticos atribui J ao início da monarquia, nos sécs. X ou IX a.C.,
e, por causa de suas referências positivas a Judá, em textos como Gênesis 49.8-12,
acredita-se que o documento tenha sido escrito naquela região. O estilo de J é
frequentemente caracterizado como “claro e direto, mas sua simplicidade é
aquela da arte consumada”. J contrasta nitidamente com P em seu estilo e em sua
teologia. Enquanto P concentra-se em Deus, J atém-se ao homem e a terra. J usa
antropomorfismos para descrever Deus: por exemplo, Deus molda o homem a partir
do barro e passeia com Adão no Éden. J começa em Gênesis 2 (na, assim
denominada, segunda narrativa da criação) e continua até de Números, embora
possa incluir alguns versículos em Deuteronômio. Para uma lista completa das
passagens referentes a J, consulte. Harold Bloom apresentou uma provocante
análise de J de uma forma dizendo que o redator de J era uma mulher, talvez uma
poeta de Davi, é pura especulação.
E. Enquanto J é associado
ao nome de Deus, Yahweh, E é identificado pelo uso do nome mais genérico
Elohim. Essa fonte é atribuída a mais de cem anos depois de J (pois infere-se do
documento a divisão do reino), sendo redigida em algum lugar do norte, essa
última opinião é deduzida do que parece ser uma ênfase nas questões e
personalidades ligadas ao reino do norte, como, por exemplo, José. Na teologia,
E enfoca mais as preocupações “religiosas e moralistas” E é mais
fragmentário do que J ou P (e novo ponto de vista tem apontado cada vez mais de
E para J) O documento se inicia com Gênesis 15 e continua até Números 32,
embora algumas passagens em Deuteronômio também sejam atribuídas a E.
D. O terceiro fio narrativo
criado pela crítica clássica das fontes é D (Deuteronômico), encontrado
predominantemente na Torá no livro do qual deriva seu nome. O núcleo de
Deuteronômio é muitas vezes identificado como o documento que foi encontrado no
templo durante o remado de Josias (2Rs 22— 23). Esse evento comumente é chamo
de fraude piedosa pois na realidade o livro foi escondido propositalmente no
templo para ser achado “de maneira fortuita” e assim ganhar um ar de
sacralidade, porem há grandes debates sobre a forma do documento encontrado
naquele tempo, mas, de qualquer modo, quase todos os críticos datam D do tempo
de Josias (final do séc. VII a.C. ). Embora D raramente retome os primeiros
quatro livros da Torá, sua influência é sentida muito fortemente através do
cânon.
P. Dos quatro fios do
Pentateuco, P é o que mais se destaca e sua abordagem abrange principalmente a áreas
lirtúrgica essencialmente áreas de interesse sacerdotal daí seu nome, fonte
sacerdotal [sacerdote em alemão: “priester”, em inglês: “priest”, daí a sigla
“P”], essas áreas são, cronologia, genealogia, ritual, adoração e lei.
É também
considerada a mais tardia das fontes datando dos sécs. V ou IV a. C., P é reflexo
do anseio pós-exílio de restabelecimento do sacerdócio e também a preocupação
daquele tempo com a obediência à lei. Essa data refere-se à coletânea do que
hoje constitui P, pois se acredita que muito do material tenha vindo de um
período anterior. Um argumento usado para amparar a datação tardia da fonte é o
fato de que P aparenta influenciar apenas Crônicas, um livro datado não antes
do séc. V (Eissfeldt). Seus trechos podem ficar lado a lado com os de outras
fontes (como Gn 1.1-2.4a = P e Gn 2.4b-25 = J)
Surgiram devido
as divergências teorias de fonte em múltiplas camadas como J 1 e J2 N, G, L e
outras siglas novas integradas de modo criativo as quatro principais fontes
narrativas da Torá.
Considera-se
que os redatores foram os responsáveis pelo desenvolvimento da tradição, à
medida que integraram em primeiro lugar J e E, depois D com JE e, finalmente, P
com JED. O redator mais importante teria sido o último, visto que ele
estabeleceu a disposição particular da forma final da Torá.[3]
Uma expressão
bastante comum utilizada pelos professores universitários quando se refere ao
assunto é “rejeitá-la é ser relegado ao campo da “ingenuidade e
arrogância"(Childs) pois a hipótese documentária tem sido o mais
forte rival do ponto de vista tradicional de que Moisés foi a fonte do
Pentateuco. Em contraste com este último ponto de vista, a hipótese documentária
tira o Pentateuco totalmente das mãos de Moisés, o que, para muitos, levanta
indagações sobre a veracidade e a autoridade de Gênesis e do Pentateuco.
Afinal, embora o Pentateuco não reivindique autoria mosaica, pelo menos
descreve Moisés como aquele que recebe grandes partes do conteúdo da
revelação, particularmente a lei. Ainda que a autoridade do texto se fundamente
no próprio Yahweh em vez de em Moisés, não conseguimos deixar de ter dúvidas
caso se crie incerteza sobre o quadro que a Torá pinta de Moisés como aquele
que recebe a lei no monte Sinai.[4]
Antes de
encerrar este post gostaria de deixar uma observação do reverendo Augusto
Nicodemus Lopes:
“O grande
atrativo do método histórico-crítico é o fato de ser “científico”. Com isto, os
seus adeptos dão a idéia de que se trata de uma exegese neutra e científica e,
portanto, capaz de conseguir resultados confiáveis. Nada está mais longe da verdade,
entretanto. O método histórico-crítico não é neutro ao contrário, é bastante tendencioso.
“[5]
Até breve!
[1]Geralmente
a literatura que tange esse assunto que é praticamente unanime quanto esse
desenvolvimento independente da linha seguida exemplos são Lopes, Dillard e
Longman, Schmidt (relacionados na bibliografia)além de E.Sellin; G.Fohrer. Introdução ao Antigo
Testamento. trad. Mateus Rocha - SãoPaulo: Ed. Academia Cristã Ltda, 2007;
Gleason Leonard Archer ; tradução Oswaldo Ramos. Enciclopédia de temas bíblicos
: respostas às principais dúvidas, dificuldades e "contradições" da
Bíblia, 2. ed. - São Paulo : Editora Vida, 2001entre outros.
[2]Schmidt,
Werner H. Introdução ao Antigo Testamento tradução Annemarie Hõhn I. São
Leopoldo, RS : Sinodal, 1994. Pag.49-50.
[3]
Dillard, Raymond B., Longman, III Tremper Introdução ao Antigo Testamento;
tradução Sueli da Silva Saraiva. - São Paulo: Vida Nova, 2006, pag. 39-42.
Basicamente é a mesma exposição do livro de Longman Como ler Gênesis, São
Paulo: Vida Nova, 2009 pag. 47-52
[4]
Longman, III Tremper, Como ler Gênesis, São Paulo: Vida Nova, 2009.
[5]
Lopes, Augustus Nicodemus, O DILEMA DO MÉTODO HISTÓRICO-CRÍTICO NA INTERPRETAÇÃO
BÍBLICA, FIDES REFORMATA X, Nº 1 (2005): 115-138.
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